Os tempos atuais podem não ser tão gloriosos para o São Cristóvão de Futebol e Regatas, atualmente na quarta divisão do Estadual. Mas, se o presente é de luta, o passado é belo, como diz o próprio hino do clube, composto por Lamartine Babo. Na semana em que completa 125 anos, o ACESSO CARIOCA comemora a data com uma série de reportagens especiais, chamada de #SãoCriCri125. Na primeira, contamos um pouco da história do velho estádio do clube, a Rua Figueira de Melo.
Nas reportagens que irão ao longo da semana, o leitor conhecerá um pouco mais sobre aspectos pouco abordados ou detalhados da história do São Cristóvão. Inicialmente fundado como um clube de regatas, ele foi posteriormente fundido ao clube homônimo que era voltado a outros esportes, como o futebol. E é justamente o berço do futebol cadete o tema da primeira reportagem da série, nesta semana histórica.
Rua Figueira de Melo, 200: o endereço pode não ser popular para o grande público, mas quem jogou lá nunca esquece as coordenadas. Próximo ao Centro do Rio e à antiga estação de trem da Leopoldina, a dez minutos a pé da estação de São Cristóvão e a uma curva à direita após a subida da Linha Vermelha, para quem vem de carro. A Figueirinha passou mais de 100 anos sem um nome próprio e sempre foi chamada pelo nome de sua rua (como São Januário, Bariri, Conselheiro Galvão etc.) e mantém tradições fieis que remetem à sua origem.
O estádio do então São Cristóvão Athletico Club foi fundado em 23 de abril de 1916, num empate entre do time com o Santos (SP), em 1 a 1. Reza a lenda que foi depois deste jogo que os santistas (que até então só jogavam de uniforme listrado) passaram a adotar um uniforme todo branco, em homenagem aos cadetes, com os quais tinham grande amizade. Foi naquela área tão central, tão nobre e que ainda remetia a uma época marcante da história carioca e brasileira que o São Cri-Cri cresceu.
A Figueira de Melo nem sempre teve o aspecto de “alçapão”, que ganharia tempos depois. Talvez por estar em uma área nobre, próxima aos grandes palácios, quarteis e museus do recém-encerrado período imperial, não se via o estádio como um lugar hostil para os grandes clubes da Zona Sul. Mas ganhar lá dentro era complicado e o São Cristóvão começou a fazer fama na cidade por ser um ‘osso duro de roer’ dentro de seus domínios. Isso se consolidou, sobretudo, nos anos 1920.
A campanha do título carioca de 1926 deu ao São Cristóvão goleadas marcantes dentro de casa, como os 5 a 0 em cima do Flamengo e os 6 a 3 no Botafogo. Mas o que poucos sabem é que nem sempre a Figueirinha teve o esquema atual de posicionamento de arquibancadas. Inicialmente, a lateral do campo era paralela à Figueira de Melo, mas uma mudança na planta, no fim da década de 1920, fez o campo girar em 90º para que uma grande e nova arquibancada fosse colocada na nova lateral do campo. A ideia era ampliar a capacidade de um estádio que recebia cada vez mais gente.
E os motivos para isso não faltavam. O São Cristóvão tinha grandes times e já se alinhava como uma das principais forças do futebol carioca. Mas uma tragédia quase colocou tudo isso a perder, em 19 de setembro de 1943. O São Cristóvão enfrentaria o Flamengo no Campeonato Carioca, mas a Figueirinha não seria capaz de suportar tanta gente. Assim, o clube pediu ao Vasco da Gama para liberar São Januário. Os vascaínos, que não abriam mão de jogar contra o Madureira em seu estádio – e talvez de nariz torcido por darem espaço aos rubro-negros em sua casa – se negaram.
Às pressas, o São Cristóvão construiu arquibancadas de madeira, com estrutura leve, para facilitar a montagem e desmontagem. No dia do jogo, que valia a liderança do campeonato, o estádio estava lotado. Logo no primeiro minuto, o Flamengo abriu o placar, em chute de Zizinho que acertou a trave e caiu no pé do baixinho Vevé, que completou para o gol. Mas aquela foi a única alegria da tarde: aos 18 minutos, uma parte das arquibancadas veio abaixo, ferindo mais de 200 pessoas. O jogo foi imediatamente interrompido e o gramado mais parecia uma praça de guerra.
O futebol carioca mostrava, ainda nos tempos da Segunda Guerra Mundial, muitas incongruências. O transtorno da estrutura improvisada interrompeu o jogo, que só foi retomado três dias depois, aí sim em São Januário. O São Cristóvão empatou o jogo, nos 72 minutos que restavam. Mesmo com tantos feridos, ninguém morreu, mas o jornalista Mário Filho, anos depois, detalhou um fato interessante no livro “O Negro no Futebol Brasileiro”: enquanto a Figueirinha ardia com o jogo da rodada, quase ninguém foi ver Vasco 4×0 Madureira, em São Januário. Lá, uma briga entre torcedores fez um soldado puxar a arma e atirar: três pessoas morreram.
A Figueira de Melo ficou fechada por três anos, sendo reaberta em um jogo diante do Vasco, em 1946, com a inauguração de arquibancadas de concreto. Mas o charme do local nunca se apagou. Apesar do declínio do clube nos anos posteriores, o estádio seguiu sendo utilizado até a abertura do Maracanã, em 1950. A partir daí, ficou popular a realização de preliminares envolvendo jogos de grandes clubes, o que acabou tirando da Figueirinha muitas partidas.
A segunda metade do Século XX viu um São Cristóvão menos glorioso do que o dos tempos idos, mas a Figueirinha seguiu de pé. À medida em que muitos de seus contemporâneos já não existiam mais ou tinham sido demolidos, o estádio cadete ainda recebia jogos. A sala de troféus foi tornando-se museu e o local se firmou como uma espécie de fortaleza da história do futebol. Mas, no aspecto técnico, os grandes jogos já tinham se afastado.
Nas últimas temporadas em que o São Cristóvão disputou a primeira divisão do Carioca (1993 e 1995), o mando de campo dos cadetes foi a Rua Bariri, em Olaria. Só nas divisões inferiores é que o clube pôde jogar com frequência no local. Entre 2014 e 2022, nem isso: a falta de laudos técnicos e a licença do clube de competições profissionais tiraram qualquer jogo oficial do estádio. Mas isto mudou em 2023.
No ano em que o clube anunciou seu retorno ao profissionalismo, também voltou a jogar em casa. Assim, se reafirmou como um dos locais mais antigos para a prática do futebol na cidade, atrás apenas de General Severiano, fundado em 1913. Na Quintona, o time fez grande campanha e confirmou seu acesso numa vitória sobre o Unisouza. A Figueira de Melo segue utilizada na Série B2, com a partida mais recente sendo uma vitória por goleada sobre o Rio de Janeiro, por 4 a 0, no último domingo (8).
E a história, literalmente, não se apaga. Se os grandes jogos sumiram, a inscrição “Aqui nasceu o Fenômeno”, relativa a Ronaldo, revelado na base do clube, se tornou marca registrada de um estádio visível por milhares de pessoas que passam diariamente pela Linha Vermelha. Rebatizado como Estádio Ronaldo Nazário, em 2018, manteve, também em seu nome oficial, o peso e a relevância de uma das catedrais do futebol carioca.
Figueira de Melo foi fundado em 1913 como campo e recebeu arquibancadas, sendo possível ser chamado de estádio em 23/03/1916.
Porém a Figueirinha é o mais antigo ainda em funcionamento.